O lugar da Escola atual, bem como a sua função social são temas em frequentes debates na contemporaneidade educacional. Vivemos um momento de quebra de paradigmas e transformações na história da humanidade, período este que vem sendo denominado como era do conhecimento, sociedade da comunicação, sociedade e conhecimento em rede, sociedade tecnológica, sociedade democrática, sociedade globalizada, sociedade aprendente, entre outras que surgem com bastante freqüência no cenário mundial. É importante frisar essa rápida transformação que ocorre num período histórico marcado, em escala mundial, por uma assustadora lógica de exclusão, acompanhada por uma diminuição significativa da sensibilidade solidária, que vem ganhando espaço no cenário educacional e no cotidiano escolar, demanda uma reflexão no interior da escola que se quer democrática.
Ao nos reportarmos a um período bem próximo na educação brasileira veremos que em 1932, nossos educadores falavam da função da escola na sociedade como um lugar de acesso à comunidade de forma participativa.
Um recorte do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que se encontra, de certa forma, em sintonia com os dias atuais (principalmente no que diz respeito a essa relação da escola com a comunidade), nos mostra que embora tenha conservado em seu arcabouço a hegemonia da classe dominante maquiado a democracia no interior da escola manteve a preocupação com a participação da comunidade. “... a escola, campo específico da educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas uma instituição social, um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas de sua natureza....”. Cada escola , seja qual for o seu grão, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em torno de si as famílias dos alunos, estimulando as iniciativas dos pais em favor da educação. (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, in: Ghiraldelli Jr., 1990, p.74,75).
Durante as décadas seguintes ao Manifesto de 32, observa-se uma lentidão na organização do sistema de ensino brasileiro. Em conformidade com as Leis que regeram o ensino até a década de 90, podemos constatar que somente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996-LDB 94/96 estabelece atribuições para os estabelecimentos de ensino prevendo flexibilidade no que se refere às formas de organização escolar, permitindo que se atenda às peculiaridades regionais e locais (art. 23). Oportunizando a cada unidade mostrar suas características de acordo com sua realidade geográfica, clientela atendida e outros aspectos. Nesta perspectiva a construção da identidade da escola se dá, em alguns momentos, pela particularização de suas práticas cotidianas sem perder de vista a legislação Federal, Estadual e Municipal à qual se vincula, articulando as singularidades da escola com as políticas públicas mais amplas.
De acordo com a LDB 94/96, as escolas têm as seguintes incumbências:
I. elaborar e executar sua proposta pedagógica;
II. administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;
III. assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas aula estabelecidas;
IV. velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
V. prover meios de recuperação para alunos de menor rendimento;
VI. articular – se com as famílias e a comunidade , criando processos de integração da sociedade com a escola;
VII. informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica(LDB, art. 12)
Cada escola possui um modo próprio de existir e uma história própria na comunidade onde se insere. Em muitos casos, a escola representa a conquista de uma comunidade que lutou e contribuiu para a sua construção, garantindo um espaço para que seus filhos pudessem aprender. Esses movimentos traduzem o valor social e simbólico da educação e da escola para a população. Portanto, a reflexão sobre a função social da escola é algo que se mistura com o acontecer da própria história humana, em suas diferentes épocas e manifestações. Num momento de grandes transformações mundiais em processo, novas demandas colocam-se para a escola e para aqueles que participam da sua gestão. Novos pilares, novos paradigmas para a educação se firmam e esperamos, com a construção do Projeto Político Pedagógico em nossa escola, contribuir para o enfrentamento dos desafios que a educação do século XXI nos coloca enquanto gestores da escola pública. Considerando a historicidade educacional, sem perder de vista o contexto atual o qual requer da escola, hoje, uma formação para o conhecimento, para a sociedade e acima de tudo uma educação para a libertação do homem enquanto ser sócio - historicamente construído e sujeito de direito da sua própria história.
Considerando a escola como núcleo da gestão democrática e o Projeto Político Pedagógico como elemento de organização e integração da prática escolar , entendemos que o trabalho educativo configura-se por meio de uma dialética entre teoria e pratica, visando à obtenção de novos elementos a partir da reflexão coletiva das possibilidades de transformação que o mesmo pode oferecer. Em função disso, a escola deve levar em consideração as múltiplas conexões que o seu projeto mantêm com as demandas sociais apresentadas a uma instituição que pretende ser competente , democrática e de qualidade.
Ao procurar articular tal demanda, o projeto pedagógico precisa ouvir e tentar compreender o que a prática dos sujeitos envolvidos tem a dizer ao mesmo tempo em que deve amadurecer neles a idéia de que o êxito em sua execução e autonomia implica o compromisso de tomar decisões e assumir as ações coletivas no âmbito escolar. Para tanto a elaboração do projeto requer um referencial teórico consistente e respaldado na pesquisa das práticas desenvolvidas pela escola, não devendo abrir mão da participação coletiva no processo. Vasconcellos enfatiza a relevância da participação coletiva, afirmando que
...mais importante que ter um texto bem elaborado, é construirmos o envolvimento e o crescimento das pessoas, principalmente dos educadores, no processo de construção do projeto, através de uma participação efetiva naquilo que é essencial na instituição. Que o planejamento seja do grupo não para o grupo. Como sabemos o problema maior não está tanto em fazer uma mudança, mas em sustentá-la. Daí a essencialidade da participação!(Vasconcellos, 1995 p.52).
Esta posição nos conduz ao entendimento de que, dentre os desafios enfrentados pela escola na construção e administração do seu projeto , está a não redução do mesmo a um “documento de gaveta” , nele necessita de constante revisões e avaliações , a fim de garantir sua dinamicidade em relação aos desafios apresentados ao trabalho pedagógico; percebendo que a escola é uma instituição que não esgota o seu trabalho na reprodução do social, mas, ao contrário, avança para a transformação social.
A democratização do espaço escolar e a descentralização das decisões de um projeto construído coletivamente envolve duas vertentes básicas. A primeira refere-se ao poder, esse entendido como a capacidade dos partícipes em tomar determinadas decisões que influenciarão as práticas políticas, pedagógicas e administrativas no interior da escola enquanto organização. Compreender que esta organização faz parte do “mundo das organizações” pressupõe a idéia de que a escola possui uma regulação formal , além de constituir-se em um espaço de exercício do poder. A segunda vertente refere-se aoconhecimento , elemento aqui entendido como meio de distanciamento de sua manipulação instrumental , buscando assentar-se em uma razão emancipatória que auxilie esclarecer aos oprimidos acerca de sua condição como grupo, considerando a sua historicidade. Neste sentido o conhecimento objetiva levar os indivíduos a produzirem um discurso que contribua para libertá-los das distorções herdadas culturalmente e, ao mesmo tempo, mostrar a possibilidade desses sujeitos desenvolverem a vontade de produzir novas formas de relações sociais. Essas duas vertentes precisam ser analisadas sob o cuidado com o perigo de a gestão democrática ser encarada como um fim em si mesmo, comprometendo a necessidade de cada escola ser percebida a partir de suas forças e fragilidades.